O trabalho do não sofrimento é praticamente impossível para as pessoas que querem suprir os seus anseios materiais, ou seja, alcançar todos os aspectos que a moderna sociedade humana diz que devemos ter durante a vida. Para aquelas pessoas que estão preocupadas com a auto estima, que priorizam o chamado amor próprio, que estão preocupadas em serem bem tratadas e reconhecidas como certas e sábias, eu digo: não façam este trabalho…

Quem busca viver o não-sofrimento precisa, antes de tudo, estar despojado destes apelos da moderna vida humana. Por quê? Porque este estado será o resultado da luta de você contra você mesmo… Será que é possível lutar contra si mesmo e ainda assim sentir o amor próprio como ele é vivenciado pela sociedade humana, ou seja, pela exaltação a si mesmo?

Isso é impossível, pois para se alcançar o não sofrimento é preciso ferir exatamente o amor próprio que a sociedade humana recomenda. Isso porque o amor próprio ensinado pela humanidade é o enaltecimento, enquanto que o estado do não-sofrimento só é alcançado com o não enaltecimento. Para você se libertar de si mesmo é preciso não se enaltecer.

Como se libertar do sofrimento se ele é vivenciado não pelo que os outros dizem, mas por sua vontade de querer estar certo? Impossível…

Participante: Perguntei isso porque moro em São Paulo e isso aqui está um inferno…

Pois é, está um inferno, mas você tem que viver aí. No interior a demanda por empregos é menor e por isso você precisa viver neste inferno. Viva, então, mas aprenda a viver este inferno sem que isso lhe cause contrariedade, sem que isso lhe traga sofrimento. Agora, se amanhã você puder vir para o interior venha, mas com a certeza que aqui viverá outros problemas.

Na verdade, existem problemas em todos os lugares que você viver, porque eles estão dentro de você e não nos lugares. Os problemas estão dentro de nós, porque somos nós que os criamos. Não é São Paulo, Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade grande que é o inferno, somos nós que infernizamos ou não os lugares que vivemos.

Uma pessoa que mora em São Paulo um dia me disse: aqui não dá mais para se viver. Eu respondi: ‘Entendeu o que você disse? Se acha que aqui não dá mais para viver, saia daqui’. Ele argumentou: ‘Se eu sair daqui, como vou viver? Aqui, estou perto de tudo, tenho tudo que preciso à mão’. Neste momento eu lhe disse: ‘Então aguenta tudo isso sem reclamar’.

Quem quer estar perto de tudo tem que estar numa cidade grande, pois no interior a oferta é menor e algumas coisas não estão disponíveis. Porque na cidade do interior não se tem tudo à mão? Porque a quantidade de pessoas que moram lá não compensa o investimento para se ter o que se tem na cidade grande.

Portanto, o preço que se paga para se ter tudo à mão é exatamente o engarrafamento que se vive nas cidades grandes, pois ele é o resultado da quantidade de pessoas que moram lá. Ou será que você ainda sonha que tenha tudo o que quer à sua disposição para que use quando quiser, independente do lucro do outro?

Este é o trabalho do não-sofrimento: é se enfrentar e ver que não adianta sonhar com as suas condições ideais de vida para viver feliz. Isso não existe, pois o mundo não gira ao seu redor, mas o mundo de cada um gira dentro do interesse de cada um. O não-sofrimento, portanto, só pode ser alcançado quando você criar dentro de si mesmo o sentir-se bem com o que tem para viver.

Entender, por exemplo, que o engarrafamento e um transporte público cheio só existem numa cidade onde você encontra emprego. Estas coisas que lhe fazem sofrer, realmente não existem numa cidade pequena, mas lá você também não terá o emprego que precisa ter para sobreviver.  Portanto, indo para lá haverá novos problemas que se não forem trabalhados também gerarão sofrimentos.

Esta é a dinâmica do não-sofrimento: olhar para dentro de você e observar que está exigindo que o mundo esteja do jeito que quer e isso não pode acontecer, pois o mundo vive o mundo. Portanto, quem espera que estas coisas aconteçam para que ele seja feliz, vai ter que esperar sentado, pois a sua felicidade dependerá de muitos fatores externos que são incontroláveis por nós.

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