O desejo de Advaitismo é produzido nas mentes dos homens sábios pela graça de Deus, (graça essa que é) um antídoto para todos os medos.

Advaka é uma escola hinduísta não dual, à qual pertencia o mestre Mahatma Dattatreya, autor desse texto. Ela prega a prática dos ensinamentos do Krishna sem o misticismo que a religião hindu possui. Poderia dizer que, em matéria de evolução espiritual, é a escola que coloca em prática todos os ensinamentos do mestre na sua maior amplitude.

Nota: Advaka – Escola Vedantina monista, fundada por Sankara

Ela tem por característica buscar a compreensão das coisas do mundo a partir da visão espiritual transmitidas pelos mestres. No entanto, não limita a visão a apenas algumas coisas, mas ensina a unidade em tudo aquilo que o ego humano cria a dualidade. Por esse motivo esse ensinamento é tão importante para nós que estamos buscando alcançar a liberdade das verdades criadas pelo ego.

NOTA: Como “coisas” entendemos todos os objetos, pessoas e acontecimentos que existem.

Neste primeiro versículo encontramos, inicialmente, a informação que o desejo de alcançar a visão que leva à evolução espiritual (visão monista, não dual) é dado por Deus. Vamos compreender este ensinamento.

Em todas as conversas anteriores que tivemos, sempre falei que o desejo precisa ser abandonado, pois, além de ser dado pelo ego, o que o transforma em um maya, é um condicionador da felicidade. Por isso, sempre comentei que é preciso vencer o desejo para entrar na Realidade Universal, alcançando, assim, a evolução espiritual.

Agora, o mestre Dattatreya ensina que para se alcançar esta evolução é preciso ter um desejo e, apesar de aparentemente estar sendo incongruente, concordo com ele. Isso ocorre porque o asceta Dattatreya fala de um desejo proveniente de Deus e não do ego. Vamos explicar a diferença entre os dois.

Deus dá aos seres humanizados o desejo de buscar mais e mais informações para a reforma íntima. Sem que o Pai desse esse desejo, o ser humanizado permaneceria estático, preso à primeira informação que já houvesse recebido, achando que teria alcançado à Verdade.

Exemplifiquemos: um ser humanizado começa o seu processo de espiritualização pela religião católica. Depois de permanecer lá por algum tempo e conhecer seus ensinamentos, algo lhe empurra na busca de novas informações. Esse empurrão, que sempre se reflete no desejo de buscar mais conhecimentos, pode levá-lo ao espiritismo, a umbanda ou em direção a qualquer outra falange espiritual.

O desejo de buscar este algo mais é dado por Deus para que o ser humanizado continue o seu processo de evolução, que não se completa com os ensinamentos de apenas um mestre. O empurrão dado pelo Pai faz com que, ao atingir um patamar de conhecimento, o ser humanizado não pare de procurar achando que chegou à verdade.

Essa busca constante também foi ensinada por Cristo aos seus apóstolos e retratada por Tomé no seu evangelho:

‘Aquele que procura, não cesse de procurar até quando encontrar; e, quando encontrar, ficará perturbado; e ao perturbar-se, ficará maravilhado e reinará sobre o Todo’ (logia 001).

O desejo de evolução, portanto, é necessário. Ele é a força motriz que leva o ser humanizado no caminho da evolução espiritual. E é por isso que o Espírito da Verdade ensina à Kardec que existe a paixão que é positiva no sentido da elevação espiritual.

907. Será substancialmente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na natureza? ‘Não; a paixão está no excesso de que se acresceu a vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal’. (O Livro dos Espíritos)

Portanto o desejo oriundo da paixão em evoluir, em servir ao próximo, é válido e leva o espírito a libertar-se da ação do ego. Isso porque esse desejo tem como objetivo fundir-se a Deus, ao universal, ou seja, é universalista. Apenas o desejo que se fundamenta numa paixão individualista (querer para si) é que não leva o espírito humanizado a alcançar o reino do céu.

Portanto, o desejo de buscar mais informações que auxiliem no trabalho da reforma íntima é positivo e deveria estar presente em todos os espíritos encarnados. No entanto, sabemos que nem sempre isto ocorre com todos. Muitos permanecem estagnados em uma religião achando que conheceram a verdade.

Se Dattatreya nos diz que a busca depende do incentivo dado pelo Pai para que o espírito a execute, isso quer dizer que aqueles que não buscam não estão errados, mas apenas que não foi produzido nas suas mentes o interesse. Por quê? A quem será que Deus empurra e a quem será que não dá o desejo?

A resposta nos foi dada por Cristo: a fé em Deus. Aqueles que exercitam a fé em Deus e não nas próprias religiões, são instigados no seu processo de evolução espiritual. Enquanto o ser humanizado tiver fé na sua religião ou no religioso que supostamente a coordena, não estará fazendo entregando-se e confiando no Pai. Esses não receberão o empurrão do Pai e permanecerão estagnados na sua própria religião.

Portanto, aqueles que buscarem exercitar a sua fé (entrega com confiança) em Deus receberão o empurrão, mas aqueles que por seu livre arbítrio optarem em idolatrar uma religião ou outro espírito qualquer, permanecerão estáticos.

Sendo assim, podemos compreender nesse texto de Dattatreya que o desejo de buscar o monismo, a completa interpenetração do todo universal, é dada por Deus àqueles que buscam exercer a sua fé no Pai.

Mas, como se pode averiguar se um ser humanizado está exercendo realmente a sua fé por Deus ou por um ensinamento, um mestre ou uma religião? O apóstolo Paulo nos respondeu essa pergunta: a fé em Deus se expressa quando o objetivo da vida é servir ao próximo e não a si mesmo.

Mas, quando um ser humanizado serve ao próximo? Quando deixas de se servir dele, ou seja, quando vive sem paixões ou verdades que o leve a ter o desejo de sempre se satisfazer em primeiro lugar. Só assim poderá servir ao próximo realmente, pois abandonará o individualismo para viver o universalismo. 

Juntando tudo o que conversamos até aqui, podemos, então, compreender que Dattatreya nos ensina que aqueles que servirem ao próximo serão sempre amparados por Deus recebendo Dele o desejo de cada vez mais evoluir-se. Quem suplantar o seu querer individual e atingir o serviço ao próximo como fundamento da existência é, como disse Dattatreya, considerado sábio.

Só essa compreensão já teria dado validade a esse estudo, mas, como sempre, vamos nos aprofundar um pouco mais na prática do dia a dia, no exercício do viver para a realização espiritual.

A partir de tudo que vimos até aqui, posso afirmar que qualquer realização no sentido da evolução espiritual não deve ser feita para satisfação individual (realização de um desejo individualista), mas para Deus (satisfação de um desejo universalista). Quem busca elevar-se para que ganhe algo ainda está sendo individualista, egoísta, mas aquele que coloca como objetivo primário de uma existência o aproveitamento espiritual da encarnação como serviço ao próximo é universalista.

Deus impulsiona o ser humanizado na busca da elevação espiritual, mas esse, para se tornar merecedor deste empurrão, não deve realizá-la para sua própria satisfação, mas para servir ao próximo. Essa é, na prática, a diferença entre a realização do desejo oriundo do ego e do desejo oriundo de Deus. Vamos entender esse ensinamento.

A evolução espiritual deve ser procurada para satisfazer um desejo dado por Deus e não individualmente. Ela não deve buscar o gozo individual de afirmar que conseguiu vencer, o prazer de realizar-se, mas simplesmente como um ato de oferenda, um serviço, a Deus.

Como nos ensinou Krishna:

‘O Sábio de verdade não deseja nem o posto de Brahma, nem o de Indra, nem a soberania universal, nem o governo dos planos inferiores, nem os poderes mágicos que se alcançam pela prática da Yoga, nem a libertação, porque ele entregou sua mente ou entendimento a Mim e ele não deseja nada disso, apenas Me quer a Mim’. (Bhagavata Puranas – Capítulo VIII – versículo 14).

Para o mundo espiritual existe uma grande diferença entre buscar algo com base no individualismo (eu quero, eu acho, eu sei, eu consegui) do que a realização de um serviço devotado a Deus, mesmo que o objetivo dessa busca esteja vinculado à elevação espiritual. Isso porque na primeira hipótese há um ganho individual, enquanto que na segunda um coletivo, ou seja, um bem para todos.

Portanto, a diferença entre uma elevação espiritual individualista daquela realizada para Deus se caracteriza pela conclusão que o ser humanizado chega. Enquanto o primeiro acredita que ganhou alguma coisa realizando-a, aquele que busca elevar-se como um serviço ao Pai não se preocupa com isso.

O ser universalista (aquele que vive para Deus) não busca conseguir para satisfazer-se, mas se eleva como um serviço que realiza ao próximo e a Deus. Ele é levado pelo caminho da espiritualização sem nenhum objetivo pessoal (esperando ser servido pela evolução), mas apenas buscando servir a coletividade espiritual universal.

 Mas, como podemos servir ao próximo com a nossa elevação espiritual?

Como já conversamos em outras palestras, o universo está sempre equilibrado, ou seja, não existe desequilíbrio. Dentro desse equilíbrio os espíritos vivem em diversos mundos, ou sentidos de encarnação, e graus de evolução.

Além destes diversos mundos serem totalmente equilibrados, também são equilibrados entre si. Isto promove o equilíbrio global do Universo.

Não falo em equilíbrio fundamentado na quantidade de espíritos em cada mundo. Ou seja, não digo que o equilíbrio global existe porque a quantidade de espíritos no mundo de regeneração é idêntica aos do de prova e expiação, por exemplo. Falo no resultado da produção desses seres. Vou explicar melhor.

Cada espírito utiliza o Amor Divino (energias, sentimentos) dentro de uma característica (individualista ou universalista) que altera a polaridade deste Amor. Quando o ser utiliza o Amor para amar a si mesmo (seus desejos e suas vontades – individualismo), dizemos que o Amor Divino ganhou uma polaridade negativa. Ao contrário, quando existe o universalismo (amor a Deus acima de todas as coisas e ao próximo), falamos que é positivo.

Este é o resultado da produção dos espíritos a que me referi. O Universo está sempre em equilíbrio porque o resultado entre as energias positivas e negativas é sempre zero. Ou seja, no Universo nunca existirá mais universalismo do que individualismo ou vice-versa.

Continuemos ainda falando um pouco de elementos técnicos espirituais para poder explicar completamente a elevação espiritual como serviço ao próximo.

A diferença entre o positivismo e o negativismo na utilização do Amor Divino é característica marcante de cada mundo ou sentido de encarnação. Os espíritos que estão ligados ao processo de elevação no mundo de provas e expiações, por exemplo, estão vivenciando essa realidade porque são mais individualistas que aqueles que encarnam no mundo de regeneração.

Quando esses espíritos evoluírem, ou seja, alcançarem o universalismo, alterarão o seu sentido de encarnação e iniciarão a ascensão ao próximo mundo, que é o celestial. 

Antes de chegar ao mundo de provas e expiações (estágio que vive os seres que estão junto ao orbe do planeta Terra), o espírito passa pelo mundo intuitivo. Só depois que completa o ciclo nesse mundo é que pode começar a encarnar como ser humanizado e viver as suas provas e expiações.

Ou seja, um espírito precisa passar de um mundo para outro sempre que encerra seu processo de evolução onde estava. No entanto, pelo equilíbrio existente que citei anteriormente, para que isso ocorra é necessário que algum outro deixe o mundo onde aquele que completou seu ciclo precisa entrar. 

Portanto, o espírito que completa a sua sansara no mundo intuitivo, por exemplo, não poderá evoluir para o próximo mundo (‘provas e expiações’) se nenhum outro houver alterado o objetivo de sua encarnação para poder encarnar no mundo de regeneração.

NOTA – SANSARA = Roda de encarnações.

Apesar da compreensão dessa técnica espiritual ser um pouco complicada, creio que agora fica mais fácil compreender a realização da evolução espiritual para servir ao próximo. Se você passar do mundo de provas e expiações para o de regeneração estará dando oportunidade de que outro ocupe o seu lugar no mundo que encarna atualmente.

Aí está o caminho da elevação como serviço ao próximo. Buscar a elevação não pela intenção de subir, avançar, ganhar individualmente, mas para abrir uma vaga, de tal forma que outro possa atingir o sentido de encarnação que você está hoje. Isto é muito diferente de buscar a elevação para que você evolua.

Quando Dattatreya afirma que o desejo da busca da elevação espiritual é dado por Deus, a prática desse ensinamento quer dizer: busque a elevação como um serviço ao próximo. Para isto é preciso seguir a linha de raciocínio que fizemos aqui. Ao vivenciar a busca da elevação espiritual da forma aqui estudada, mesmo que ela seja fruto de um desejo, estará sendo realizada para Deus (Universo) e não com individualismo (para si).

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